“Nós temos que ter empatia. Se puder ajudar alguém, ajude”, afirma motorista que acolheu casal venezuelano em Itaara

Foto: Beto Albert (Diário)

A saga da família venezuelana acolhida por moradores de Itaara chegou ao fim na quinta-feira (28). Depois de uma longa viagem de ônibus, o paramédico Renzon Antonio Ochoa Pena, a cozinheira Wilmari Castro e o filho de 9 anos chegaram à cidade de Cuiabá, no Mato Grosso. A informação é dada pelo motorista, Oziel da Silva de Cristo, 43 anos. No dia 19, ele ajudou a família que fazia o trajeto a pé pela BR 158, em Itaara. 

– les subiam toda essa serra, que já é difícil em dias com temperatura normal. Imagina com o calorão que estava naquele dia... Eu sabia que ia esfriar à noite e onde ele estavam não teria como se abrigar. Eu já tinha passado duas vezes por eles. Quando eu estava perto da Cia Dam (13ª Companhia Depósito de Armamentos e Munições), decidi parar e ajudar. Perguntei o que estavam fazendo e para onde estavam indo. O Pena me explicou que estavam indo para Mato Grosso. Até falei brincando: “Você está muito longe de Mato Grosso”. Ele riu e disse que sabia. Eu fiz uma ligação e conversei com a minha esposa. Ela concordou e eu trouxe eles para a minha casa – relata Cristo. 

+ Entre no canal do Diário no WhatsApp e confira as principais notícias do dia

Vivência

Filho de um pedreiro e uma dona de casa, Oziel Cristo nasceu em Itaara e é o mais novo de nove filhos. Devido a infância humilde, começou a trabalhar cedo para ajudar a família. Na casa em que vive, próximo a BR 158, mantém uma rotina de muito trabalho ao lado da esposa, filha e enteada. Cristo ainda é pai de outras duas crianças, das quais fala com orgulho. Um dos exemplos que tenta passar para os filhos está eternizado na Bíblia, especificamente em Marcos, 12:30-34: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”.

Nós temos que ter empatia. Precisa vir de berço que se você puder ajudar alguém, ajude. Não precisa ver a dificuldade, o sofrimento de uma pessoa e virar as costas. Hoje em dia, isso é difícil por vários motivos. É complicado pela segurança. Colocar uma pessoa dentro da tua casa é complicado. Mas ali, eu vi que não tinha isso. Eram pessoas que não são daqui e dava para ver pelo olhar que estavam sofrendo por passarem o dia inteiro caminhando, além de estarem cansados e com fome.O que eu podia fazer era isso. Trazer para a minha casa e acolher – afirma.

Com a ajuda de Oziel e de um grupo de WhatsApp com mais de 500 pessoas, o casal venezuelano e o filho conseguiram roupas, sapatos, lençóis e mais de R$ 2,8 mil para a compra de passagens e alimentação. Ao ver o vídeo de despedida da família, que partiu de Santa Maria na terça-feira (26) rumo a Cuiabá, Cristo se emociona:

Sabemos que, hoje em dia, ficar longe da família ou de alguém é muito difícil. Mas graças a Deus, eles estão no lugar onde querem estar e vão poder ficar com a família deles. O que ele (Renzon) mais queria era buscar os filhos da Venezuela e passar a Páscoa com eles. Se Deus quiser, isso vai se realizar. Graças a Deus e ao povo de Itaara, o nosso objetivo foi alcançado – celebra o motorista.

Oziel (à esq), Renzon, Wilmari e o filho do casal estiveram na Rodoviária de Santa Maria na terça-feira (26). Do local, partiram para Cuiabá, no Mato Grosso Foto: Gilberto Ferreira (arquivo/Diário)

Compaixão

Em entrevista ao Diário, o psicólogo clínico e especialista em Ciências Cognitivas, Diógenes Chaves, falou sobre como se fundamentam as relações humanas. Episódios de empatia acontecem, por exemplo, dentro de um processo específico, também conhecido como circuito empático.

Quando estamos diante de um semelhante em sofrimento, este circuito pode ser acionado ou não.Tudo inicia pelo circuito do reconhecimento, que é a nossa capacidade de identificar no outro as suas expressões de dor, tristeza, medo ou pânico. Depois, vem o circuito do espelhamento, que é a faculdade que temos de identificar em nós mesmos experiências semelhantes de angústia ou sofrimento, despertando o sentimento empático. E por fim, o atributo que temos de humanizar o outro, enxergá-lo como um semelhante. Oziel, provavelmente, soube reconhecer o sofrimento daquela família, que ao mesmo tempo, despertou nele uma realidade parecida, que ele possa ter vivido ou ainda vive – explica.

Infelizmente, o acolhimento dado à família de Renzon e Wilmari ainda é um exemplo raro em sociedade. Segundo Chaves, uma pesquisa apresentada pelo psiquiatra e neurocientista brasileiro Pedro Calabrez, do Instituto Neurovox (SP), mostra que o Brasil é um dos países com maior índice de desconfiança social no mundo.

– Segundo Calabrez, onde há desconfiança, há medo, e quem sente medo costuma ser mais egocêntrico, individualista, isto é, tende primeiro a pensar em si, depois no outro. A xenofobia é considerada uma aversão ou medo a estrangeiros, e isso pode acontecer por desconfiança ou medo do desconhecido, e por isso, o afastamento ou indiferença. Inclui-se também como fator de medo o preconceito de raça e o desconhecimento da cultura e dos costumes. Já existem estudos abordando, por exemplo, o xeno-racismo. Outro fator é o não acionamento de um dos circuitos da empatia responsável pela humanização do outro, que então, passa a coisificá-lo. Neste caso, não há reconhecimento, tampouco espelhamento. Olhar uma família necessitada à beira da BR e nada sentir é como ver um outro carro ali, parado – analisa Chaves.

O psicólogo ainda atenta para uma pequena diferença entre empatia e compaixão.No primeiro caso, a pessoa se sente tocada pelo sofrimento do outro. No segundo, ela transforma o sentimento em ação, acolhendo, auxiliando e acima de tudo, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, fraterna e com menos desigualdades. Conforme Chaves, as vivências, a educação e os exemplos também seriam fatores que possibilitam a ativação deste circuito:

– Muitas vezes, justamente por se ter menos que o menos do outro sensibiliza mais. Sabe mais o que é passar frio, quem já passou frio. Sabe mais o que é não ter sempre o que comer, quem já passou por situação parecida. A vivência é uma das responsáveis por um dos circuitos da empatia, que é o espelhamento. Quando perdemos alguém que amamos muito, tendemos a ser muito mais empáticos e acolhedores com aqueles que passam pelo mesmo. Claro que existem pessoas que agem com empatia e compaixão sem nunca terem passado pelo mesmo, mas o processo educacional e os exemplos contribuem muito para desenvolver o circuito empático.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

32ª edição da Feira do Peixe Vivo encerra mais um ano com 70 toneladas de pescados vendidos Anterior

32ª edição da Feira do Peixe Vivo encerra mais um ano com 70 toneladas de pescados vendidos

Como os estudantes podem sacar a primeira parcela do programa Pé-de-Meia Próximo

Como os estudantes podem sacar a primeira parcela do programa Pé-de-Meia

Geral